Se um dos estereótipos mais maldosos do grunge é a sua constante colagem a drogas como a heroína, os Alice In Chains nada fizeram para o contrariar. A carreira da banda é indissociável dos problemas que o malogrado Layne Staley teve com o vício, e que levariam à sua morte em 2002. A banda, tida como a mais “metálica” entre os grandes do grunge, conseguiu no entanto sobreviver – e é das poucas que, ainda hoje, se mantém no ativo. Como que para dizer que é na queda que se vêem os homens.
A 5 de abril de 2002, oito anos exatos após a morte de Kurt Cobain, Layne Staley preparou uma mistura de cocaína e heroína – vulgo speedball – e injetou-a numa das suas já gastas veias, numa nova procura por aquele estado de espírito que todos os viciados em drogas descrevem como “sublime”. Duas semanas depois, o seu corpo seria encontrado pela polícia, após um alerta dado pelos contabilistas do músico, primeiro (que não detetaram qualquer movimento nas suas contas), e pela sua família, depois (que não tinha tido sinais dele ao longo de todo esse período). Estava já em estado de decomposição. Os dentes, cariados, praticamente desaparecidos. Pesava 39kg, um número assombroso, mesmo tendo em conta que Layne nunca foi propriamente um portento físico. A pele tinha um tom cinzento e emanava um cheiro podre.
Se este parece um relato cru – e que não se confunda “cru” com “sensacionalista” – é porque a música que Layne Staley fez com os Alice In Chains foi, também ela, crua. Especialmente em “Dirt”, um dos álbuns mais niilistas da década de 90, onde o abuso de drogas caminha lado a lado com a depressão e a dor, a violência e o abismo. É o álbum de 'Junkhead', cujos versos (What's my drug of choice? Well, what have you got?) não poderiam ser mais diretos. O álbum de 'God Smack' (Stick your arm for some real fun). E até o álbum de 'Would?', tributo ao amigo Andrew Wood, falecido anos antes, também ele vítima de uma sobredose de drogas.
O anúncio da morte de Layne Staley não soou, para quem o conhecia de perto, a surpresa, mas sim a confirmação. Há muito que o músico se debatia contra o vício, tendo entrado e saído de várias clínicas de reabilitação ao longo dos anos. Aquando da sua morte, encontrava-se isolado num apartamento em Seattle, onde poucos o visitavam e de onde raramente saía, tendo apenas a sua gata como companhia. A gata e a seringa. Numa declaração à imprensa, os seus ex-colegas nos Alice In Chains resumiram então a coisa: «Só podemos esperar que ele tenha, por fim, encontrado alguma paz». A mesma que não teve em vida, e cuja ausência foi transcrita em três LPs, três EPs e dúzias de concertos.
É impossível não dedicar várias linhas aos demonios de Layne Staley, mesmo que os demais membros dos Alice In Chains também tivessem os seus. Era o seu o rosto do grupo. Mas, colocando de parte essa sombra particular, quase todos o reconhecem: a sua voz foi uma das maiores, senão mesmo a maior, da cena grunge. Há exemplos disso naquelas típicas e infindáveis listas que os fãs de música e os jornalistas musicais elaboram de quando em vez, como a do website The Top Ten, que o coloca em primeiro lugar no que toca a vocalistas dessa era. Elogiam-lhe a dinâmica, o alcance. «Ele soava como nenhum outro», escreveu David De Sola, autor de uma biografia não autorizada sobre os Alice In Chains, na revista The Atlantic. «A sua capacidade para projetar poder e vulnerabilidade na voz, bem como as harmonias únicas que criava, geraram um estilo que seria copiado durante anos», assim que o grupo se tornou popular.
Antes das drogas e da fama existia apenas Layne Rutherford Staley, filho de pais divorciados e criança com um gosto particular pelo rock n' roll. Com apenas oito anos de idade, viu o seu primeiro concerto ao vivo, Elton John, cujo impacto foi imediato. Seguiu-se um gosto adquirido por artistas como os Twisted Sister, Black Sabbath ou Scorpions, mas também Billy Joel e Fleetwood Mac. Na adolescência, mudou legalmente o seu nome do meio – odiava o “Rutherford” – para Thomas, em homenagem a Tommy Lee, baterista dos Mötley Crüe. A bateria foi, também, o seu primeiro instrumento de eleição, antes de decidir trocá-la por um microfone. «Ouvia as minhas bandas rock favoritas nos headphones e tentava imitá-las», disse.
Os Sleze não passavam, no entanto, de uma banda de versões; havia que dar um passo em frente, rumo à criação de material original. Para tal, Layne (definitivamente expulso de casa pela mãe, devido aos seus nascentes problemas com as drogas) e o grupo mudam-se para o Music Bank, uma enorme sala de ensaios em Seattle, que ajudou dezenas de artistas então à procura do sucesso. É aí, num pequeno quarto, que o músico passa a residir, e a banda passa a ensaiar. A primeira maqueta é gravada em 1986, e nesse mesmo ano os Sleze participam em “Father Rock”, filme de baixo orçamento transmitido num canal de televisão público local.
Assim como Layne havia alterado o seu nome do meio, os Sleze decidem alterar o seu nome original. Doravante, seriam conhecidos como Alice N' Chains, uma ideia que terá partido de Russ Klaut, dos Slaughter Haus 5, após uma conversa sobre sado-masoquismo. É com esta designação que Jerry Cantrell, que também tinha despertado para a música através de Elton John, os vê pela primeira vez e decide, logo ali, formar uma banda com Layne. Mas esse desejo não foi atendido no imediato; os Alice N' Chains ainda durariam mais um ano, com duas maquetas pelo meio.