Vs. foi o segundo álbum dos Pearl Jam, lançado em 19 de outubro de 1993 (27 anos) a banda continuava afiada e faminto como nunca. eles ainda tinha tacos de barulheira inconsequente para queimar, ao mesmo tempo que ganhara uma identidade a ser lapidada e um imenso público para satisfazer. Seu primeiro disco, Ten, de 1991, os levou para além da estratosfera, sendo que o esperado era que a banda no mínimo mantivesse o nível.
E o curioso é que essa expectativa, apesar de gigantesca, analisando historicamente hoje, nem é muito relevante, pois a impressão é que a banda atropelou o mito do segundo disco sem sequer sentir cócegas: era desde cedo um grupo destinado a ser adorado por muitos, subestimado e superestimado por outros tantos, na mesma medida. Não que a banda assim o quisesse, mas daí já é outra discussão.
O fato é que o grupo não se intimidou diante do desafio. Lançou um grande disco, que já mostrava sinais efetivos de maturidade e ainda mais pegada do que o debut. Os dois trabalhos que viriam a seguir são provavelmente suas melhores obras: Vitalogy é o álbum mais diferenciado da banda, e o mais próximo que o Pearl Jam chegou até hoje da genialidade, e No Code é o elo de ligação entre aquilo que a banda foi em seu princípio e é hoje, condensando essas duas facetas de forma primorosa. Mas Vs é imbatível no feeling e na quantidade de grandes composições — Ten é um adversário de nível nesses aspectos, mas é um disco dificil de se ouvir hoje, enquanto que Vs ainda soa fresco e criativo, o Pearl Jam em seu auge.
Neste segundo trabalho, a tática é quase covardia: 1) Eddie Vedder está cantando muito e todos os membros mandam muito bem em seus instrumentos; 2) as composições são menos retas e mais surpreendentes do que aquilo apresentado em Ten, e com o mesmo nível de excelência em matéria de melodia; 3) os caras descem o braço sem piedade em boa parte das músicas, e por fim; 4) se dão ao luxo de gravar duas daquelas músicas que entram no seletíssimo grupo das músicas perfeitas. Vs é basicamente isso. Possui elementos para arrebanhar ainda mais fãs e credenciar o grupo a, naquela altura, ser um dos de Seattle que provavelmente escaparia do destino esvaecente do grunge.
A sequência de abertura, Go e Animal, é contundente: a primeira é frenética e carregada, guitarras despolidas no talo sobrepondo-se em profusão. Animal é não menos vigorosa, puxa mais pra melodia, mantendo a garra. Com essa abertura incendiária, o Pearl Jam já mostra que estava encaminhando mais um clássico, assim como fizera em seu primeiro disco. Mas a similiaridade com a abertura de Ten fica por aí: sai a densidade sufocante em prol do punch esmagador. Sai também a produção pobre e sombria e entra a competência de Brendan O’Brien — consequência positiva do estrelato.
A terceira faixa começa e nada explode, mas o nível aumenta. Daughter vai na base dos violões e do carisma de Eddie Vedder, que manda muito bem em uma das faixas relax do disco. No desenrolar da música, Mike McCready e Stone Gossard tomam a frente novamente com suas guitarras, construindo um fim que fica meio que em aberto, e nos shows eles costumavam usar isso muito bem como uma ponte para algum cover (como Another Brick in the Wall no fabuloso bootleg Live in Atlanta, disponível para download aqui).
Glorified G é das canções mais descontraídas do Pearl Jam e, junto com Satan’s Bed, aquela que eu mais gosto. Geralmente as tentativas da banda nesse sentido não são muito bem sucedidas ao meu ver (acho Do the Evolution, Evacuation e Don’t Gimme No Lip muito fracas, por exemplo), mas aqui eles acertam a mão. O que já não acontece na faixa seguinte, que é o único ponto baixo do disco, merecedor de um forward: Dissident me soa uma música meio… gordurosa. Tá tudo certinho, as guitarras bem sincronizadas, os solinhos, o vocal sempre emocionante de Vedder, o refrão, mas a receita não fica boa no fim, enjoando rapidamente e sem acrescentar nada.
A faixa seguinte faz você esquecer Dissident logo. WMA (White Male American) é um dos pontos mais altos de Vs: batida tribal, backing vocals ritualísticos, baixo ditando o ritmo, guitarras esparsas e macabras, refrão marcante. Uma música turbulenta, que fica ecoando na cabeça por horas e horas depois de sua audição. De quebra, uma boa letra politizada sobre autoridade, o que prova que essa característica da banda não é de hoje.
Blood põe tudo abaixo sem dó e nem refresco, uma porrada ensurdecedora alucinante. Vedder solta a garganta sem o menor senso de auto-preservação (“it’s / my / bloooooooood”) e o então baterista Dave Abbruzzeese destroça seu kit nos menos de 3 minutos da música. Os ouvidos ainda estão zunindo quando inicia-se Rearviewmirror, a primeira canção perfeita do disco. Esta é uma das músicas mais queridas pelos fãs do Pearl Jam, e com todos os motivos. Não há muito o que falar de uma música perfeita: a se destacar novamente o vocal de Eddie Vedder — bastante contido ao longo da canção, mas explodindo no clímax (“saw things / saw things / saw things / saw things / clearer / clearer / once you / were in my / rearviewmirror”) — e o entrosamento excepcional da dupla McCready e Gossard.
Três boas faixas pavimentam o fim do álbum. Nada de excepcional, mas que conseguem manter o bom nível que imperou até aqui: Rats fala de ratos (ou homens?) com baixo e guitarra duelando em igualdade, e Elderly Woman Behind the Counter in a Small Town (“longest title in the Pearl Jam catalog”) é uma baladinha meio insípida, que não chega a ter condições de ser comparada com outras baladas mais inspiradas do Pearl Jam, mas tem lá suas virtudes. Leash é a última paulada do disco: rasgada e empolgante até o limite, na medida para fazer um show se transformar em um inferno. Aliás, música para show é o que não falta aqui.
O melhor e mais surpreendente de Vs fica reservado para seus últimos minutos. Novamente, o dilema: o que falar de uma música perfeita? Indifference é singela, baixinha, levada no baixo e nos teclados, guitarra solando precisa e sutil e Eddie Vedder em mais uma atuação de gala. A pergunta “how much difference / does it make?” encerra Vs de um jeito que não poderia ser melhor.
1993 assistiu o Pearl Jam vender mais de um milhão de discos em menos de uma semana, uma marca impressionante. Passados mais de 10 anos, a banda continua na estrada, sem o estardalhaço de antes, mas com uma base fiel de fãs que acompanhou a evolução do grupo. A artilharia pesada de Vs dificilmente se repetirá, e este disco deverá ser para sempre o auge do Pearl Jam nesta categoria. Não é brilhante do início ao fim, mas duas músicas perfeitas em um mesmo álbum é algo para poucos, por isso as 10 estrelinhas lá em cima são mais do que justas.